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Pleno exercício dos direitos politicos

Plenitude do exercício dos Direitos Políticos.



 



 



                        O sentimento de nossos tempos cria repulsa à imoralidade eleitoral, considerando a essencialidade da reforma republicana, quando sem postergações se afigura definir, sob o prisma jurígeno, a efetiva concepção do exercício dos direitos políticos passivos como condição de elegibilidade constitucional, artigo 14,§3º, inciso II da Constituição da República.



                      É sempre oportuno lembrar a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 modificada pela Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010 que objetiva proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato eletivo (Lei da Ficha Limpa), pois nessa dinâmica vivencial de candidaturas que disputam o mandato eletivo indagava Assis Brasil na obra Democracia Representativa: “Se o voto é mandato, onde está o mandante? A sociedade, dirão. Mas a sociedade ativa é, por sua vez, constituída pelos que votam. Não há como evitar o círculo vicioso”.



                        O artigo 16 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), assim diz: “Só pode filiar-se a partido o eleitor que estiver no pleno gozo de seus direitos políticos”.



                     No entanto, até a presente data ecoa o verbete sumular nº 13 do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, a saber: “Não é autoaplicável o § 9º do art. 14 da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão nº 4/1994”.



                        Cumpre reconhecer, entretanto, a urgente necessidade de remodelação jurídica adequando-se a realidade das hodiernas candidaturas que a cada eleição assombram a sociedade demonstrando um rol de investigações penais, delitos já praticados e não julgados, a ausência de moralidade eleitoral, a insuficiência do instituto da suspensão dos direitos políticos e da causa de inelegibilidade penal para obstaculizar futuros pedidos de candidatura.



                        Trata-se, na verdade, de se estabelecer definitivamente uma jurisprudência com aptidão de impedir candidaturas sem a plenitude do exercício dos direitos políticos.



                        A esse propósito destaca-se a supremacia da força normativa da constituição nos moldes do §9º do artigo 14 da Lex Mater. “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (grifo nosso).



                       Deveras, a legislação eleitoral obriga a apresentação de certidões criminais no momento do requerimento do registro de candidatura nos termos do inciso III, alíneas “a” e “b” do artigo 27 da Resolução TSE 23.609/19, “(...) III - certidões criminais para fins eleitorais fornecidas (Lei nº 9.504/1997, art. 11, § 1º, VII): a) pela Justiça Federal de 1º e 2º graus da circunscrição na qual a candidata ou o candidato tenha o seu domicílio eleitoral; b) pela Justiça Estadual de 1º e 2º graus da circunscrição na qual a candidata ou o candidato tenha o seu domicílio eleitoral; c) pelos tribunais competentes, quando as candidatas ou os candidatos gozarem de foro por prerrogativa de função”.



                          Registre-se o teor do artigo 9º da aludida resolução, in expressi verbis: “Qualquer cidadã ou cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo, respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e de incompatibilidade, desde que não incida em quaisquer das causas de inelegibilidade (Código Eleitoral, art. 3º, e Lei Complementar nº 64/1990, art. 1º). § 1º São condições de elegibilidade, na forma da lei (Constituição Federal, art. 14, § 3º, I a VI, a, b e c): (...) II - o pleno exercício dos direitos políticos (grifo nosso).



 



                          Cumpre enfatizar que o STF acolheu o princípio da presunção da inocência na ADPF nº 144/DF, afastando o princípio da moralidade e da probidade administrativa para fins de rejeição do pedido de candidatura quando o interessado apresenta um rol de processos criminais ou de improbidade administrativa, sem que se tenha constatado o trânsito em julgado. Todavia, a própria Lei Complementar nº 64/90 atualizada pela Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010) limita a capacidade eleitoral passiva quando uma determinada candidatura já possui por decisões colegiadas e de natureza administrativa. Por exemplo, o artigo 1º inciso I, letras m e o, verbis: “São inelegíveis:  I - para qualquer cargo: m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário; o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário” (grifo nosso).



                            



                         Por derradeiro, convém observar que subsistem princípios constitucionais eleitorais de igual relevância como a soberania popular e a lisura das eleições. Em razão da moralidade administrativa as candidaturas podem ser impugnadas. “O §9º do art. 14 com redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94, pode ensejar a impugnação de candidatura? Sim. A inscrição do candidato poderá sofrer impugnação caso haja desrespeito à moralidade administrativa. É imprescindível que a sua conduta seja proba, íntegra e honesta. Daí o parágrafo, em comento, exigir a normalidade e legitimidade dos pleitos eleitorais, que devem ocorrer em ambiente de lisura, longe de abalos e escândalos. O uso da riqueza, para fins político-eleitorais, também foi proibido. Igualmente ocorre com a influência, os abusos de cargo, função ou emprego público” (Bulos, Uadi Lammêgo, 10 Ed- São Paulo, Saraiva, 2017, página 907). Todavia, a decisão do STF na ADPF nº 144/DF, é em sentido contrário.



                   No âmbito do Direito Eleitoral, o princípio da lisura das eleições está diretamente tratado no art. 23 da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990): “O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral” (grifo nosso).



                        A permissibilidade jurídica eleitoral na aceitação de candidaturas repletas de imoralidades praticadas em razão do exercício de funções públicas macula o princípio do retrocesso normativo e atinge a tutela mínima e eficiente contra a corrupção, conforme disciplinado na Convenção de Mérida incorporada pelo Decreto nº 5.687/2006.



                        Assim ecoa a necessidade de reexame interpretativo da expressão constitucional que trata da condição de elegibilidade referida no inciso II do §3º do art. 14 da Lex Mater, in verbis: “o pleno exercício dos direitos políticos”. A esse respeito emerge a incidência de um direito fundamental anticorrupção com efetivo status de supralegalidade, vedando-se a interpretação que seja um retrocesso ou limite a plena eficácia da norma.



                        Por fim, preconiza a Convenção da ONU contra a Corrupção que se devem combater ameaças à estabilidade política adotando-se enfoque amplo e multidisciplinar para prevenir de forma eficaz a corrupção.



 



Marcos Ramayana



Professor de Direito Eleitoral



 


Dr. Marcos Ramayana